Curitiba até que vai.

Pela manhã
Ou na confusão da hora do almoço.

Mas avança a tarde, pior se for
Domingo,
O dia seca solto na rua toda alegria
do dia.

Cimento não fértil
Gelo seco. O som é eco.

Alegrias dentro de camadas 
Não vistas não sentidas
Que delas não se vive
Se sobrevive

O Enigma


Por que, na realidade,
quanto mais forte a luz,
me vem a estranha vontade
de fugir, de trobar clus?

Por que se tenho presente
um sol real, que mais brilha,
outro sol oculto e ausente
me cega e me maravilha?

No real, na irrealidade,
paira o espírito buscando
grave fonte de verdade
que, tendo, inda está sonhando.







Alphonsos de Guimarães Filho

Possibilidades




Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excessões.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila pra formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quanto.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.



Wislawa Szymborska


Mais uma vez Pessoa

I

Sim, Farei...; e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.

Farei, farei... Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo... E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...

Farei, farei, farei... Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo - a paz, a ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo na minha alma chora?

II


Farei talvez um dia um poema meu,
Não qualquer cousa que, se eu analiso,
É só teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anônimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...

Um poema próprio, em que me vá o ser,
Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.

Ah, mas quem pode ser quem é? Quem sabe
Ter a alma que tem? Quem é quem é?
Sombras de nós, só o refletir nos cabe.
Mas refletir, ramos irreais, o que?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III

Sossega coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição dos seres.

Mas pobre sonho o que só não quer tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho concebê-lo!

Sossega coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.



Hoje, aniversário de morte de Fernando Pessoa ( 30 de Novembro de 1935).

 Poema de 13 de Agosto de 1933.
a orquídea da mulher
e a orquídea da flor

rimam pelo que são no mundo

delicadeza de uma
rima no tato da outra.

se uma floresce na luz
doida de fazer ver

a outra floresce na carne

luz e cor na ferida da pele