Mais uma vez Pessoa

I

Sim, Farei...; e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.

Farei, farei... Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo... E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...

Farei, farei, farei... Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo - a paz, a ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo na minha alma chora?

II


Farei talvez um dia um poema meu,
Não qualquer cousa que, se eu analiso,
É só teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anônimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...

Um poema próprio, em que me vá o ser,
Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.

Ah, mas quem pode ser quem é? Quem sabe
Ter a alma que tem? Quem é quem é?
Sombras de nós, só o refletir nos cabe.
Mas refletir, ramos irreais, o que?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III

Sossega coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição dos seres.

Mas pobre sonho o que só não quer tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho concebê-lo!

Sossega coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.



Hoje, aniversário de morte de Fernando Pessoa ( 30 de Novembro de 1935).

 Poema de 13 de Agosto de 1933.