Van Gogh

Estive lendo.
Estive lendo Van Gogh

e tive a certeza de que vou sofrer a minha vida inteira
desejando o amor que arde por todos os meus
vértices.

o jeito que ele pensava a vida sozinho
e o jeito de que eu e milhões de pessoas
pensamos o mesmo, lendo todos sozinhos


o jeito que ele meteu uma bala no peito

e o jeito que ele acreditava em Deus
e o jeito que ele caminhava com aquela força
melancólica o empurrando para perto dos campos
e das casas e daqueles mineiros sofridos e daqueles túneis
estreitos

o jeito de como ele via o sol

o jeito que ele devia enlouquecer naqueles minúsculos
quartos

e a força que ele tirava do seu próprio soluço inócuo
pra desenhar.

e como um poema pra mim as vezes não é mais
que a palavra poema

e o pensamento que guardei na palavra poema

e como ele sai as vezes sem saber que sai,
muito além da palavra poema

e como ele não sai com a palavra poema dura.
e como as vezes ele sai mesmo duro e mesmo
sendo palavra poema

e como palavras caminham sozinhas sobre
elas mesmas


(ago/09)
- querida, eu entrei pro mundo
do silêncio.

essa chama feita de cinza

Um dia no parque Tingui

I

olho no céu
cabelo na grama

enormes são os continentes
navegando lá em cima

vasto é o mundo lá em cima.

olho no céu
cabelo na grama

II

Cabana do tamanho do vento
mosaico de amarelos frêmitos

cabana do tamanho do vento
feita do amarelo do outono.

um japonês com violão
diminuto
lago inteiro só de reflexos

cabana do teto de outono.
abóbada de folhas do tamanho
do vento.


Fotografias

Os tempos dos químicos agindo sobre os grãos de prata, tão precisos, fizeram parte e ocuparam meu organismo por esses dias. Agora não me lembro direito, mas em algum momento me deu muita alegria em ver as fotos. Realmente, apesar do pragmatismo dos cálculos químicos, a exatidão científica da coisa, ela exige muita prática, para que várias áreas do pensamento (não necessariamente concentradas) trabalharem com diferentes tarefas simultâneas. Apagando a luz, depois de deixar todos os quatro objetos à mão, que são: tesoura, filme, espiral e tanque, certifico-me de que não há luz vazando pelo pano preto. Então, tudo pronto, olho pro negro preto, preto de ausência estampado no meu nariz, e num silêncio zumbidor e surdo, faço a primeira e mais prazerosa coisa: arrebentar a bobina do filme e tirá-lo pra fora. Fazer essa parte na madrugada de segunda pra terça, o escuro e o surdo silêncio, ambos completos, me foram como uma ducha gelada no pensamento; primeiro um medo curioso, que adiante refresca. As idéias eram espantadas pela única que havia sobrado, a idéia insolúvel da casa em silêncio, do porão debaixo da casa e do preto do silêncio dela. Então, minhas mãos e meu tato a trabalhar. Recortar a ponta inútil do filme e enrolá-la meticulosamente num espiral de ferro, de forma que as superfícies do filme nunca se toquem, nas diversas voltas. Difícil dizer o quanto isso dura, mas arrisco 10 minutos, pois ainda não consigo sem desfazer parte que percebi mal feito. Enrolado o filme todo no espiral, é só colocar no tanque. Já se ascende a luz. Aí, vem a parte dos banhos químicos, cada um a seu tempo.

11/02/10


Revelei e ampliei três fotos que parecem três fantasmas irmãos. Um é um santo - mendigo com uma capa preta andando na Barão do Cerro Azul, estático num movimento confiante e maluco. A outra foto, as costas de um senhor de paletó com mangas vazias, desfocado. A terceira lembra uma boca de algum animal marinho gigante, ou um robô bizarro com tentáculos vindo de uma ficção científica. Não se é da minha cabeça, mas tem algo que liga essas três fotos; todas guardam algo velado, sombrio, manco, e bem de leve, um tom apocalíptico...

20/02/10

os 3 fantasmas de Curitiba

Se a verdade existir

(provavelmente escrito em 2007, que achei perdido em alguma gaveta)


Se a verdade existir
é num mergulho de mentiras em que
me refresco

Se o mundo é terra plana
sem dó
minha pele, violão, capim,

quer dizer que me rendo

quer dizer que me rendo por um gole d´água.

Descobri que não há passado
E de repente, numa risada imaginada
Que não há futuro
Só há minha ducha gelada
Num dia quente pra burro