fragmentos de peixes e costelas de não ter mais jeito

O teto sendo um teto de ferro faz com que minha danificada sensibilidade encubra o terreno fértil dos oceanos para além do meu contato latejante. O alaska.

O peixe palpita para além da costela, o ritmo é extraviado; num susto fino e afiado, alguma coisa estava por um triz.

Por que isso depois que cresci de as coisas não parecerem simplismente livres que existem, mas tudo que conheço como que trancafiado entre celas? A morte da liberdade? ou um problema clínico?


Engraçado como tenho a forte impressão de que o momento em que vivo é sempre tangível com alguma outra época de minha vida; um tipo de sensação que volta como num estranho e indefinido ciclo.


me tange na agulha do tempo
uma chuva passada. E desse instânte em que tudo
tenho, num eterno procede, procede
não me resta nada.

me tange na agulha do tempo
uma chuva passada. Com ela uma torrente de
água, nuvem nublada, e peixes
de outrora.

me tange na agulha do tempo o úmido
da chuva passada. Não só o úmido da chuva
mas todo o úmido em volta dela,
que volvia em torno dela.

parece que o céu congelou de azul no
feto da noite. Imenso céu.
um avião sobe o primeiro lance
de nuvem

navega então num céu de Júpiter, na
noite azul fria de Júpiter, onde venta vento
cristalino e nada é quente, nem terno, nem abafado
tudo é uma cilada do ar vago
e solúvel
tudo é fresco

de não ter mais jeito.




(11/02/10)
O sujeito está numa grande livraria cheia de gente. Ele pega um livro qualquer, ao modo específico hesitante de quem busca um acidente equilibrado; por um lado o desejo, pelo outro, ir embora de mão e mente vazia.
A capa é inteira azul, de um mesmo tom. O título em letras brancas, Times New Roman. Há mais de cinco minutos que espera que vague alguma das poltronas que ficam entre as estantes. Agora ele vai e senta e abre o livro, e logo na segunda página, ou na terceira, passados os detalhes editoriais, há uma nota introdutória de poucas linhas na parte de baixo da folha, em itálico, e nada mais. Diz: "se ainda existe no mundo alguém que leia só pelo prazer - ou até mesmo por acidente - peço a ele ou ela, com indizível afeto e gratidão, que divida em quatro partes iguais a dedicatória deste livro com minha mulher e meus dois filhos."
Decide comprá-lo, e sai da livraria. Ele chega num quarto onde há um grande ar condicionado feito inteiramente de madeira, deita o livro no chão e se deita na cama por cima das cobertas, sem tirar os tênis.

Observações



respeita o silêncio que ele te respeita.




Observação química

solidão é o aumentativo de sólido


dentro do teu peito

Órgão muscular oco, na sombra
toráxica
que recebe sangue das veias
impulsionando-o
pra dentro
das
artérias azuis


(houaiss)

mulher que te vejo e espero

Palavras quando saem
da tua boca
são vazias

assim como teu beijo
tem o gosto ocre
do barro

esse teu amor de virgem víbora
eu não desejo à ninguem.

uma palavra te resume:
inverossímil

porque falar e pensar
já nascem mortos

mulher que te vejo e te quero

Tu nada tens a ver
com esse monte de entulho meu

você é coisa linda

em cada pedaço teu
desde teu seio
até um fiapo
de pensamento teu

é tudo úmido de tão vivo
e voraz e eloquente

inquieto como uma ave branca.

tua beleza é antes o vermelho
da rosa
do que a rosa em si

O gole

O gole


quando faço o que penso
existir
apenas desabrocho a farfalhar.

(duas janelas azuis turquesa
um mundo todo laranja
gotículas de cereja no para brisa do carro
(sombras tatuadas no pescoço do reflexo)
linhas amarelas que se abraçam)

os dedos e as veias são sobras divinas
a malha da blusa é a cerveja gelada.

quando penso deixo de existir
esse é o dia em que deixarei de dormir
(atrás da porta dorme o inimigo)

somos vários, famintos,

formentavamos a sorte quando estávamos
sem gole!!!



(20/11/09)

Matias, Camila, Marcão
(poema à seis mãos...)