Fragmentos sobre o movimento

VII

No trêm que peguei pra Mar Del Plata, um pequeno grupo de adolescêntes meio hippies sentaram ao meu lado. Um chico na poltrona próxima, duas chicas nas da frente. Uma delas falava muito, era gordinha e bochechuda, vestia uma linda blusa de lã marrom e branca. Eu a via bastante porque se virava pra rir e falar com o chico, diferente da outra, que parecia mais quieta. Pensei comigo mesmo: quero falar com eles, seria ótimo, estou solo como nunca. Mas fiquei me imaginando namorando a gordinha; me acomodei na poltrona e me aqueci com a paisagem. Fazia sol e frio, ainda estávamos perto de B. Aires. Na contenda íntima, corria-me o trêm. Planejava investidas com o chico, logo ao meu lado, enquanto fitava a janela concentrado, curioso pelo que diziam, as duas se levantaram e foram, e o chico me tocou no ombro: “queres fumar?”, fazendo o gesto maconheiro que reconheci entusiamado. Ficamos entre os vagões, conversando alto devido ao barulho forte e constante do trêm. Mais tarde eles trouxeram dois tambores grandes, um deles era um caron, daqueles que agente senta em cima, e também uns chocalhos feitos por eles mesmos. A outra menina acabara de se formar em agronomia; tinha o cabelo preto curto e liso, olhos grandes e verdes, vestia uma blusa de flanela. A gordinha me disse pra eu me pendurar pra fora e gritar com toda força. “Te descarega todo”. Devia ser o começo da tarde, o vento corria gelado e espesso, e sempre a planíce na minha frente. Lá pendurado, a voz parecia afogada pelo vento, e com aquela barulhera toda teu grito mais forte ninguém ouvia.

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